EU FUI HÓSPEDE
Narrador: Numa
pequena cidade, há muitos anos vivia o sapateiro Martim. Sua esposa havia falecido há bastante tempo. Apenas
tinha ainda um filho. Contudo, quando o menino já estava crescido e já começava
a ajudar seu pai na sapataria, também ele adoeceu e veio a falecer. Aí o
sapateiro ficou tão desesperado que chegou a não querer mais crer em Deus.
Certo dia um colono de sua terra o visitou...
Colono: Boa
tarde, Martim. Tenho alguns negócios aqui na cidade. Quis aproveitar para te
fazer uma visita e ver como você está.
Martim: Você
ouviu falar da minha desgraça?
Colono: Ouvi,
sim. Tiveste que sofrer golpes pesados, Martim.
Martin: Estou
sozinho. Nada me dá alegria. Não tenho nem um chimarrão para ti.
Colono: Tu
deverias trabalhar, Martim. Isto te ajudaria a esquecer esta tristeza.
Martin: Eu já
tentei. Eu não consigo trabalhar. Aquelas botas e aqueles sapatos já estão
atirados ali a semana inteira. Ali está o couro e ali estão as ferramentas. Não
consigo! Sempre de novo tenho que pensar no meu filho. Por que ele tinha que
morrer? Podes me dizer isto?
Colono: Ninguém
pode te dizer isto. Somente Deus.
Martin: Deus?!
Existe um Deus que é tão cruel?
Colono: Não
compete a nós julgar sobre o que Deus faz e permite. Nós devemos pedir-lhe que
nos ajude a suportar e superar os sofrimentos.
Martin: Eu
gostaria é de morrer, e só por isso eu peço a Deus. Minha vida agora não tem
serventia nenhuma.
Colono: Eu
entendo que você esteja desesperado. Mesmo assim, não é bom falar desta
maneira.
Martin: Para que devo viver ainda?
Colono: Pra Deus.
Ele te deu a tua vida de presente. Portanto, vive para ele.
Martin: Como é
que a gente faz isto: viver para Deus?
Colono: Tu sabes
ler?
Martin: Sei, sim!
Colono: Então lê
no Evangelho. Ali está escrito como devemos viver para Deus.
Martin: Pode ser.
Mas é verdade o que está escrito ali?
Colono: Mas
claro. Tão certo como eu estou parado aqui.
Martin: Donde é
que tu sabes isto?
Colono: Também
sofri muito. Três filhos meus faleceram, Martim. E minha esposa está doente há
alguns anos.
Martin: Três
filhos?
Colono: Eu nunca
teria agüentado isto se Deus não tivesse me ajudado. “Bem-aventurado os que sofrem,
pois serão consolados”.
Martin: Ele mesmo
te disse isto?
Colono: Ele
mesmo? Que queres dizer com isto?
Martin: Eu pensei
que talvez tivesse passado em sua casa.
Colono: Em minha
casa?
Martin: Desculpe,
eu sou um velho simples. Mas eu as vezes penso que aquilo que está escrito ali
na Bíblia, qualquer um pode escrever. A gente deveria poder falar com ele
próprio.
Colono: Isto que
diz é estranho, Martim. Eu só sei que nós devemos nos prender naquilo que está
escrito, fazendo isto, ouvimos Deus falar. Passe bem, Martim. Deus te dê
consolo e renove as tuas forças.
Cena II
Narrador: Martim
levou a sério as palavras do velho colono. Começou a trabalhar novamente. E
cada noite lia um trecho na Bíblia. Cada vez que terminava de ler um trecho,
tirava os óculos, apoiava a cabeça nas mãos e meditava sobre as palavras lidas.
Martim: (Lê com
algumas dificuldades Lucas 7.44) “E voltando-se para a mulher, disse a Simão, o
fariseu: Vês esta mulher? Eu cheguei à tua casa e não me trouxeste água para
lavar os meus pés; esta porém molhou os meus pés com lágrimas e os enxugou com
os cabelos de sua cabeça”.
Narrador:
Novamente ele tirou os óculos e pensou consigo mesmo:
Martim: Este
fariseu! Ele não fez nada para o Senhor! Mas indignar-se com os outros, isto ele sabe. Como eu seria feliz se
o Senhor viesse à minha casa. Eu queria fazer tudo por ele e queria ser bom
para com ele. Eu faria com que ele se sentasse na varanda, onde é bem
fresquinho. Tomaríamos um chimarrão...
Narrador: E
nisto, Martim, o velho sapateiro, adormeceu. De repente ouviu uma voz que dizia
baixinho:
Voz: Martim!
Martim!
Narrador: Martim
olhou ao seu redor. Virou-se para a porta. Não via ninguém. Porém, quando
estava cochilando novamente, ouviu mais nitidamente:
Voz: Martim! Preste atenção no movimento da rua
amanhã. Eu virei te visitar.
Narrador: Martim levantou-se de um salto. Esfregou os
olhos e pensou: teria eu sonhado isto? Já era tarde. Sacudiu a cabeça, apagou a
luz e dormiu. No dia seguinte, Martim levantou de madrugada, fez fogo e
preparou a comida: feijão, arroz e um pouco de carne. Então esquentou água para
o chimarrão, vestiu o avental de sapateiro e sentou-se no banquinho que estava
perto da janela. Mas enquanto trabalhava, sempre de novo pensava naquilo que
ouvira de noite.
Voz: (bem
baixinho) Martim! Preste atenção no movimento da rua amanhã Eu virei te
visitar!
Martim: Visitar a
mim? O Senhor mesmo? Não sei como aconteceria isto. Mas será que é de todo
impossível?
Cena III
Narrador: Era um
dia quente de verão. Toda vez que Martim olhava pela janela, o sol parecia mais
forte. Um empregado de bicicleta passou por ali. Depois, alguém que carregava
água. Um barulho chamou a atenção de Martim. Parecia o choro de uma criança. O
choro ficava cada vez mais forte. Era uma mulher com uma criança. Ela estava
cansada e encostou-se na parede procurando se esconder um pouco do sol. O
pequeno chorava. A mãe, nervosa, tentava acalmá-lo.
Martim: Ei, jovem
senhora, escuta aqui!
Mulher: O que há?
Martim: Tu estás
aí com a criança no sol forte. Entra. Numa sala fresca poderás descansar melhor
e acalmar a tua criança.
Mulher: (Olhando
desconfiada) Posso?
Martim: Claro!
Vem entrando. É uma sapataria simples, mas pelo menos é fresquinha. Tu não és
daqui, não é?
Mulher: Não. Não
conheço ninguém.
Martim: Senta-te
aqui nesta cadeira, que passa um ventinho gostoso. Você está com fome?
Mulher:
(embaraçada) Desde ontem não como nada...
Martim: Então eu
vou te trazer um prato de comida... Mas onde está teu marido?
Mulher: Meu
marido me abandonou. Logo que ficou sabendo que eu estava grávida, ele foi
embora e nunca mais apareceu.
Martim: Tens
emprego?
Mulher: Eu tinha
um emprego como cozinheira. Mas quando a criança nasceu, eu fui despedida.
Agora já faz três meses que estou sem serviço.
Martim: E o que
queres neste lugar?
Mulher: Venho da
esposa de um comerciante. Querem dar-me um emprego ali. Mas apenas daqui a uma
semana. Estou cansada de ir de um lugar ao outro procurando emprego. Mas parece
que agora eu consegui. Graças a Deus, minha hospedeira tem bom coração e vai
permitir que eu more lá.
Martim: Um
calçado bom certamente não tens?...
Mulher: E donde
haveria de ter? Tenho apenas este chinelo surrado de tanto caminhar por aí.
Martim: Vê, eu
tenho um par de sandálias, praticamente novas. Já faz mais de 6 meses que as
deixaram aqui para arrumar uma coisinha e não vieram buscá-la. Agora são tuas.
Mulher: Oh! Como
posso agradecer-lhe? Com certeza foi Jesus Cristo mesmo que me guiou até aqui.
Martim: Talvez
seja como tu dizes...
Narrador: E
Martim contou à mulher como ontem ouvira uma voz que lhe anunciara a vinda do Senhor.
Então a mulher se despediu de Martim e agradeceu-lhe. Este ainda lhe deu algum
dinheiro para que pudesse comprar leite para sua criança. E a acompanhou até a
porta.
Cena IV
Narrador: Depois
Martim limpou a mesa e pegou no serviço novamente. Mas também não se esquecia
da janela, pois passava do meio-dia e o hóspede ainda não chegara. Martim
começou a ficar inquieto. Mal uma sombra caía sobre as suas mãos, levantava os
olhos para ver quem passava. Mas era gente conhecida, nada de importante. De
repente uma vendedora ambulante ficou parada em frente à janela. Ela trazia no
braço um cesto de maçãs. Por certo já vendera bastante. Nisto, veio um menino,
pôs a mão no cesto, pegou uma maça e quis fugir. Contudo a velha conseguiu
segurá-lo pela manga da camisa. O guri tentou escapar, mas aí a mulher
derrubou-lhe o boné e pegou-lhe pelos cabelos. Martim, o sapateiro, viu tudo.
Nem se deu o serviço de guardar as ferramentas. Deixou-as cair sobre o assoalho
e saiu.
Menino: Solta-me,
velha! Eu não peguei nada. Por que bates em mim?
Vendedora: Eu vou
te dar uma, seu peste. Ladrão! Vou te levar à cadeia.
Martim: Deixa que
ele se vá, vovó. Perdoa-lhe, por Jesus Cristo.
Vendedora: Era só
o que faltava. tão logo ele não se esquecerá, este sem-vergonha.
Martim: Tu mesma
nunca foste jovem, vovó? E nunca tiveste medo do castigo?
Vendedora: Tive,
sim. Mas roubar, isto eu nunca fiz!
Menino: Só uma
maça, vovó, e eu já a pus de volta na cesta. Também sinto fome!
Vendedora: Está
com fome? Teu pai não arranja comida pra você?
Menino: Meu pai
está doente, faz algumas semanas.
Vendedora: Então
vai embora...
Martim: Um
momento! Antes disso, o menino deve pedir desculpas. (pausa) Como é, não quer pedir?
Menino: (Com
medo) Perdoa-me, vovó. Prometo não fazê-lo mais.
Martim: Certo
assim. Agora também receberás a maça. Toma-a. Eu te pago, vovó.
Vendedora: Tu só
acostuma mal esta criança. Deveria lhe dar uma surra.
Martim: Talvez
tenha razão. Mas o que Deus deveria fazer conosco se por uma maça já somos tão
rigorosos?
Vendedora:
(suspira) Sim, sim! Se eles só não tivessem besteiras na cabeça.
Martim: Eles não
sabem melhor. Tu tens netos?
Vendedora: Oh,
sim! Moro com minha filha e alegro-me cada vez mais com eles. Quando chego em
casa, os meus netinhos correm ao meu redor gritando: Oh, estás aí, querida
vovozinha! Principalmente a menor. Ela não me larga por um só instante. Quer
estar agarrada a minha mão.
Martim: (ao
menino) E tu, meu filho, também tens uma avó?
Menino: Não.
Quando ela faleceu, eu tinha apenas dois anos de idade.
Vendedora:
Deixa-o. Foi apenas uma criancice o que fez. Passe bem. Tenho que seguir agora.
Os netos esperam por mim.... Se esta cesta com maças não fosse tão pesada...
Menino: Dá aqui,
vovó, eu a levo. Temos a mesma caminhada.
Cena - V
Narrador: Juntos
desceram pela rua. A velha até esqueceu de pedir ao sapateiro pela maça. Martim
acompanhou-os com os olhos e depois voltou para casa. Acendeu a luz. Trabalhou
mais um pouco e guardou as ferramentas. Depois de um tempinho, alguém bate
palmas. O sapateiro foi até a porta e a abriu.
Vagabundo: Boa noite! (o vagabundo é sujo, roupa
rasgada, descalço. Ele pára na porta)
Martim: Boa
noite. Quem é? Queria alguma coisa?
Vagabundo: Sou um
coitado. Estou só de passagem por esta localidade. Estou indo para Porto Alegre
para tentar ajeitar a minha vida. Eu venho caminhando pela estrada, pelo mundo.
Por amor de Deus, estou pedindo um copo de água e algo para comer. Hoje ainda
não comi nada.
Martim: Vamos
entrando, amigo. Eu estava mesmo pensando em esquentar a comida para a janta.
Não há nada de especial, só feijão e arroz. Mas vai dar para nós dois. Ali pode
lavar as mãos (mostra a bacia com água e uma toalha). E aqui o copo de água.
Vagabundo: (bebe
rapidamente) Isto faz bem!
Martim: Senta!
Quem sabe nós fazemos uma oração a Deus agradecendo pelo nosso alimento. “Vem
Senhor Jesus, sê nosso convidado, e tudo o que nos dás, nos seja abençoado.
Amém” Sirva-te `a vontade. (Eles comem). Já está anoitecendo. Onde vais dormir?
Vagabundo: Eu
arranjo um cantinho por aí, num paiol, ou debaixo de uma ponte. Não sou
exigente.
Martim: Está bom.
Esta noite pode chover, por isso pode ficar aqui. Lugar não falta e eu tenho um
travesseiro sobrando... Já está servido? Então vem cá. Já vou mostrar onde pode
dormir.
Narrador: O
sapateiro Martim ajeita um lugar para o mendigo dormir. Apesar de ter um
hóspede em sua casa naquela noite, ele se sente triste e só. Ele não consegue
dormir.
Martim: Acho que
perdi o sono. Também, eu esperei todo o dia e ele não veio. Talvez não cuidei o
suficiente e ele passou de minha casa.
Narrador: O
sapateiro ficou sentado em silêncio. Enterrava cada vez mais a cabeça entre as
mãos. Aí, ouviu uma voz:
Voz: Martim,
Martim! Tu não me reconheceste?
Martim:
Reconheceste? Como???
Voz: A mim. Pois
fui eu, Martim...
Martim: Quem?
Voz: Volta-te,
Martim!
Narrador: Martim
voltou-se. Viu vultos no canto da sala, ali onde a lâmpada projetava sombra.
Ele os reconheceu. Olhou para a mãe e sua criança.
Voz: Isto fui eu,
Martim!
Narrador: Olhou
para a velha que carregava a cesta. E o menino trazia a maça na mão.
Voz: Isto fui eu,
Martim.
Narrador: Olhou o
mendigo, a quem dera abrigo.
Voz: Isto fui eu,
Martim!
Narrador: Martim
voltou-se. Os vultos haviam sumido. Ele suspirou. Estava feliz. Abriu a Bíblia
e começou a ler:
Martim: (Lê com
alguma dificuldade Mateus 25.35) porque tive fome, e me destes de comer; tive
sede, e me destes de beber; era forasteiro, e
me acolhestes.
Narrador: Então o
sapateiro reconheceu que o sonho não o enganara. Fora realmente o Senhor em
pessoa que ele recebera e hospedara em sua casa. Por isso, ele estava muito
feliz. Tomou novamente o livro à mão e leu:
Martim: (Lê
Mateus 25.40 ): Em verdade vos digo que, sempre que o fizestes a um destes meus
irmãos, mesmo dos mais pequeninos, a mim o fizestes.
FIM
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