sexta-feira, 4 de novembro de 2016

Natal 28

EU FUI HÓSPEDE

Narrador: Numa pequena cidade, há muitos anos vivia o sapateiro  Martim. Sua esposa  havia falecido há bastante tempo. Apenas tinha ainda um filho. Contudo, quando o menino já estava crescido e já começava a ajudar seu pai na sapataria, também ele adoeceu e veio a falecer. Aí o sapateiro ficou tão desesperado que chegou a não querer mais crer em Deus. Certo dia um colono de sua terra o visitou...
Colono: Boa tarde, Martim. Tenho alguns negócios aqui na cidade. Quis aproveitar para te fazer uma visita e ver como você está.
Martim: Você ouviu falar da minha desgraça?
Colono: Ouvi, sim. Tiveste que sofrer golpes pesados, Martim.
Martin: Estou sozinho. Nada me dá alegria. Não tenho nem um chimarrão para ti.
Colono: Tu deverias trabalhar, Martim. Isto te ajudaria a esquecer esta tristeza.
Martin: Eu já tentei. Eu não consigo trabalhar. Aquelas botas e aqueles sapatos já estão atirados ali a semana inteira. Ali está o couro e ali estão as ferramentas. Não consigo! Sempre de novo tenho que pensar no meu filho. Por que ele tinha que morrer? Podes me dizer isto?
Colono: Ninguém pode te dizer isto. Somente Deus.
Martin: Deus?! Existe um Deus que é tão cruel?
Colono: Não compete a nós julgar sobre o que Deus faz e permite. Nós devemos pedir-lhe que nos ajude a suportar e superar os sofrimentos.
Martin: Eu gostaria é de morrer, e só por isso eu peço a Deus. Minha vida agora não tem serventia nenhuma.
Colono: Eu entendo que você esteja desesperado. Mesmo assim, não é bom falar desta maneira.
Martin:  Para que devo viver ainda?
Colono: Pra Deus. Ele te deu a tua vida de presente. Portanto, vive para ele.
Martin: Como é que a gente faz isto: viver para Deus?
Colono: Tu sabes ler?
Martin: Sei, sim!
Colono: Então lê no Evangelho. Ali está escrito como devemos viver para Deus.
Martin: Pode ser. Mas é verdade o que está escrito ali?
Colono: Mas claro. Tão certo como eu estou parado aqui.
Martin: Donde é que tu sabes isto?
Colono: Também sofri muito. Três filhos meus faleceram, Martim. E minha esposa está doente há alguns anos.
Martin: Três filhos?
Colono: Eu nunca teria agüentado isto se Deus não tivesse me ajudado. “Bem-aventurado os que sofrem, pois serão consolados”.
Martin: Ele mesmo te disse isto?
Colono: Ele mesmo? Que queres dizer com isto?
Martin: Eu pensei que talvez tivesse passado em sua casa.
Colono: Em minha casa?
Martin: Desculpe, eu sou um velho simples. Mas eu as vezes penso que aquilo que está escrito ali na Bíblia, qualquer um pode escrever. A gente deveria poder falar com ele próprio.
Colono: Isto que diz é estranho, Martim. Eu só sei que nós devemos nos prender naquilo que está escrito, fazendo isto, ouvimos Deus falar. Passe bem, Martim. Deus te dê consolo e renove as tuas forças.


Cena II
Narrador: Martim levou a sério as palavras do velho colono. Começou a trabalhar novamente. E cada noite lia um trecho na Bíblia. Cada vez que terminava de ler um trecho, tirava os óculos, apoiava a cabeça nas mãos e meditava sobre as palavras lidas.
Martim: (Lê com algumas dificuldades Lucas 7.44) “E voltando-se para a mulher, disse a Simão, o fariseu: Vês esta mulher? Eu cheguei à tua casa e não me trouxeste água para lavar os meus pés; esta porém molhou os meus pés com lágrimas e os enxugou com os cabelos de sua cabeça”.
Narrador: Novamente ele tirou os óculos e pensou consigo mesmo:
Martim: Este fariseu! Ele não fez nada para o Senhor! Mas indignar-se com os  outros, isto ele sabe. Como eu seria feliz se o Senhor viesse à minha casa. Eu queria fazer tudo por ele e queria ser bom para com ele. Eu faria com que ele se sentasse na varanda, onde é bem fresquinho. Tomaríamos um chimarrão...
Narrador: E nisto, Martim, o velho sapateiro, adormeceu. De repente ouviu uma voz que dizia baixinho:
Voz: Martim! Martim!
Narrador: Martim olhou ao seu redor. Virou-se para a porta. Não via ninguém. Porém, quando estava cochilando novamente, ouviu mais nitidamente:    
Voz:  Martim! Preste atenção no movimento da rua amanhã. Eu virei te visitar.
Narrador:  Martim levantou-se de um salto. Esfregou os olhos e pensou: teria eu sonhado isto? Já era tarde. Sacudiu a cabeça, apagou a luz e dormiu. No dia seguinte, Martim levantou de madrugada, fez fogo e preparou a comida: feijão, arroz e um pouco de carne. Então esquentou água para o chimarrão, vestiu o avental de sapateiro e sentou-se no banquinho que estava perto da janela. Mas enquanto trabalhava, sempre de novo pensava naquilo que ouvira de noite.
Voz: (bem baixinho) Martim! Preste atenção no movimento da rua amanhã Eu virei te visitar!
Martim: Visitar a mim? O Senhor mesmo? Não sei como aconteceria isto. Mas será que é de todo impossível?

Cena III
Narrador: Era um dia quente de verão. Toda vez que Martim olhava pela janela, o sol parecia mais forte. Um empregado de bicicleta passou por ali. Depois, alguém que carregava água. Um barulho chamou a atenção de Martim. Parecia o choro de uma criança. O choro ficava cada vez mais forte. Era uma mulher com uma criança. Ela estava cansada e encostou-se na parede procurando se esconder um pouco do sol. O pequeno chorava. A mãe, nervosa, tentava acalmá-lo.
Martim: Ei, jovem senhora, escuta aqui!
Mulher: O que há?
Martim: Tu estás aí com a criança no sol forte. Entra. Numa sala fresca poderás descansar melhor e acalmar a tua criança.
Mulher: (Olhando desconfiada) Posso?
Martim: Claro! Vem entrando. É uma sapataria simples, mas pelo menos é fresquinha. Tu não és daqui, não é?
Mulher: Não. Não conheço ninguém.
Martim: Senta-te aqui nesta cadeira, que passa um ventinho gostoso. Você está com fome?
Mulher: (embaraçada) Desde ontem não como nada...
Martim: Então eu vou te trazer um prato de comida... Mas onde está teu marido?
Mulher: Meu marido me abandonou. Logo que ficou sabendo que eu estava grávida, ele foi embora e nunca mais apareceu.
Martim: Tens emprego?
Mulher: Eu tinha um emprego como cozinheira. Mas quando a criança nasceu, eu fui despedida. Agora já faz três meses que estou sem serviço.
Martim: E o que queres neste lugar?
Mulher: Venho da esposa de um comerciante. Querem dar-me um emprego ali. Mas apenas daqui a uma semana. Estou cansada de ir de um lugar ao outro procurando emprego. Mas parece que agora eu consegui. Graças a Deus, minha hospedeira tem bom coração e vai permitir que eu more lá.
Martim: Um calçado bom certamente não tens?...
Mulher: E donde haveria de ter? Tenho apenas este chinelo surrado de tanto caminhar por aí.
Martim: Vê, eu tenho um par de sandálias, praticamente novas. Já faz mais de 6 meses que as deixaram aqui para arrumar uma coisinha e não vieram buscá-la. Agora são tuas.
Mulher: Oh! Como posso agradecer-lhe? Com certeza foi Jesus Cristo mesmo que me guiou até aqui.
Martim: Talvez seja como tu dizes...
Narrador: E Martim contou à mulher como ontem ouvira uma voz que lhe anunciara a vinda do Senhor. Então a mulher se despediu de Martim e agradeceu-lhe. Este ainda lhe deu algum dinheiro para que pudesse comprar leite para sua criança. E a acompanhou até a porta.

Cena IV
Narrador: Depois Martim limpou a mesa e pegou no serviço novamente. Mas também não se esquecia da janela, pois passava do meio-dia e o hóspede ainda não chegara. Martim começou a ficar inquieto. Mal uma sombra caía sobre as suas mãos, levantava os olhos para ver quem passava. Mas era gente conhecida, nada de importante. De repente uma vendedora ambulante ficou parada em frente à janela. Ela trazia no braço um cesto de maçãs. Por certo já vendera bastante. Nisto, veio um menino, pôs a mão no cesto, pegou uma maça e quis fugir. Contudo a velha conseguiu segurá-lo pela manga da camisa. O guri tentou escapar, mas aí a mulher derrubou-lhe o boné e pegou-lhe pelos cabelos. Martim, o sapateiro, viu tudo. Nem se deu o serviço de guardar as ferramentas. Deixou-as cair sobre o assoalho e saiu.
Menino: Solta-me, velha! Eu não peguei nada. Por que bates em mim?
Vendedora: Eu vou te dar uma, seu peste. Ladrão! Vou te levar à cadeia.
Martim: Deixa que ele se vá, vovó. Perdoa-lhe, por Jesus Cristo.
Vendedora: Era só o que faltava. tão logo ele não se esquecerá, este sem-vergonha.
Martim: Tu mesma nunca foste jovem, vovó? E nunca tiveste medo do castigo?
Vendedora: Tive, sim. Mas roubar, isto eu nunca fiz!
Menino: Só uma maça, vovó, e eu já a pus de volta na cesta. Também sinto fome!
Vendedora: Está com fome? Teu pai não arranja comida pra você?
Menino: Meu pai está doente, faz algumas semanas.
Vendedora: Então vai embora...
Martim: Um momento! Antes disso, o menino deve pedir desculpas. (pausa) Como é, não quer pedir?
Menino: (Com medo) Perdoa-me, vovó. Prometo não fazê-lo mais.
Martim: Certo assim. Agora também receberás a maça. Toma-a. Eu te pago, vovó.
Vendedora: Tu só acostuma mal esta criança. Deveria lhe dar uma surra.
Martim: Talvez tenha razão. Mas o que Deus deveria fazer conosco se por uma maça já somos tão rigorosos?
Vendedora: (suspira) Sim, sim! Se eles só não tivessem besteiras na cabeça.
Martim: Eles não sabem melhor. Tu tens netos?
Vendedora: Oh, sim! Moro com minha filha e alegro-me cada vez mais com eles. Quando chego em casa, os meus netinhos correm ao meu redor gritando: Oh, estás aí, querida vovozinha! Principalmente a menor. Ela não me larga por um só instante. Quer estar agarrada a minha mão.
Martim: (ao menino) E tu, meu filho, também tens uma avó?
Menino: Não. Quando ela faleceu, eu tinha apenas dois anos de idade.
Vendedora: Deixa-o. Foi apenas uma criancice o que fez. Passe bem. Tenho que seguir agora. Os netos esperam por mim.... Se esta cesta com maças não fosse tão pesada...
Menino: Dá aqui, vovó, eu a levo. Temos a mesma caminhada.

Cena - V
Narrador: Juntos desceram pela rua. A velha até esqueceu de pedir ao sapateiro pela maça. Martim acompanhou-os com os olhos e depois voltou para casa. Acendeu a luz. Trabalhou mais um pouco e guardou as ferramentas. Depois de um tempinho, alguém bate palmas. O sapateiro foi até a porta e a abriu.
Vagabundo:  Boa noite! (o vagabundo é sujo, roupa rasgada, descalço. Ele pára na porta)
Martim: Boa noite. Quem é? Queria alguma coisa?
Vagabundo: Sou um coitado. Estou só de passagem por esta localidade. Estou indo para Porto Alegre para tentar ajeitar a minha vida. Eu venho caminhando pela estrada, pelo mundo. Por amor de Deus, estou pedindo um copo de água e algo para comer. Hoje ainda não comi nada.
Martim: Vamos entrando, amigo. Eu estava mesmo pensando em esquentar a comida para a janta. Não há nada de especial, só feijão e arroz. Mas vai dar para nós dois. Ali pode lavar as mãos (mostra a bacia com água e uma toalha). E aqui o copo de água.
Vagabundo: (bebe rapidamente) Isto faz bem!
Martim: Senta! Quem sabe nós fazemos uma oração a Deus agradecendo pelo nosso alimento. “Vem Senhor Jesus, sê nosso convidado, e tudo o que nos dás, nos seja abençoado. Amém” Sirva-te `a vontade. (Eles comem). Já está anoitecendo. Onde vais dormir?
Vagabundo: Eu arranjo um cantinho por aí, num paiol, ou debaixo de uma ponte. Não sou exigente.
Martim: Está bom. Esta noite pode chover, por isso pode ficar aqui. Lugar não falta e eu tenho um travesseiro sobrando... Já está servido? Então vem cá. Já vou mostrar onde pode dormir.
Narrador: O sapateiro Martim ajeita um lugar para o mendigo dormir. Apesar de ter um hóspede em sua casa naquela noite, ele se sente triste e só. Ele não consegue dormir.
Martim: Acho que perdi o sono. Também, eu esperei todo o dia e ele não veio. Talvez não cuidei o suficiente e ele passou de minha casa.
Narrador: O sapateiro ficou sentado em silêncio. Enterrava cada vez mais a cabeça entre as mãos. Aí, ouviu uma voz:
Voz: Martim, Martim! Tu não me reconheceste?
Martim: Reconheceste? Como???
Voz: A mim. Pois fui eu, Martim...
Martim: Quem?
Voz: Volta-te, Martim!
Narrador: Martim voltou-se. Viu vultos no canto da sala, ali onde a lâmpada projetava sombra. Ele os reconheceu. Olhou para a mãe e sua criança.
Voz: Isto fui eu, Martim!
Narrador: Olhou para a velha que carregava a cesta. E o menino trazia a maça na mão.
Voz: Isto fui eu, Martim.
Narrador: Olhou o mendigo, a quem dera abrigo.
Voz: Isto fui eu, Martim!
Narrador: Martim voltou-se. Os vultos haviam sumido. Ele suspirou. Estava feliz. Abriu a Bíblia e começou a ler:
Martim: (Lê com alguma dificuldade Mateus 25.35) porque tive fome, e me destes de comer; tive sede, e me destes de beber; era forasteiro, e  me acolhestes.
Narrador: Então o sapateiro reconheceu que o sonho não o enganara. Fora realmente o Senhor em pessoa que ele recebera e hospedara em sua casa. Por isso, ele estava muito feliz. Tomou novamente o livro à mão e leu:
Martim: (Lê Mateus 25.40 ): Em verdade vos digo que, sempre que o fizestes a um destes meus irmãos, mesmo dos mais pequeninos, a mim o fizestes.
FIM




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